quarta-feira, 7 de novembro de 2012

O gambá, a gaivota e o pinguim - Parte I

Parte I - O Gambá

Quando eu fazia meu segundo grau (era como se chamava o ensino médio na época) eu me apaixonei por Biologia! Então, quando prestei vestibular, não tive dúvidas: CIÊNCIAS BIOLÓGICAS.

Pois é, cadeira vai, cadeira vem, e lá estava eu na primeira aula de Fisiologia Animal. O professor nos explicando como seria a nossa avaliação ao final do semestre, os trabalhos e provas que teríamos de fazer.

O trabalho final consistia no seguinte desafio:

. Encontrar um animal silvestre, morto (não podia matar, já tinha que estar morto);
. Tirar uma foto do animal no local;
. Extrair do animal o esqueleto;
. Nomear todos os ossos e dispô-los em ordem;
. Fazer um desenho do esqueleto do animal;
. Relatar o nome científico e demais características do mesmo.

Não precisava montar o esqueleto... ufa...

Bom, nós tinhamos um semestre inteirinho para fazer o trabalho. Mas essa história de achar um animal morto, não devia ser algo muito fácil.

Pedi ajuda ao meu pai, pois eu não tinha carro na época. E então, em uma linda manhã de sábado, saímos eu e ele, de fusca... aiaiai...

Subimos a serra e, no caminho, encontramos vários gambás mortos por atropelamento. Isso mesmo, gambás. Meu pai havia trazido uma pá de obra e eu, várias sacolas plásticas. Quando achávamos um gambá o pai parava o carro. Nós descíamos e olhávamos o estado do bicho. A maioria não adiantava nem levar prá casa....

Por fim achamos três gambás em estado razoável. Eu tirava as fotos e depois meu pai me ajudava, com a pá, a colocar os bichinhos nas sacolas, sob os olhares estranhos dos motoristas que por ali passavam.

Bom, pensei eu, agora é só fazer o trabalho. O mais difícil, eu consegui.

Ao chegar em casa com as sacolas e meus preciosíssimos gambás, ouvi a voz da minha mãe a dizer:

- Não pensa que tu vais pegar as minhas panelas. Não precisa nem entrar em casa...

Bah, que recepção. Na verdade eu nem havia pensado em como cozinhar os gambás. Mas era óbvio que não usaria a panelas da minha mãe. E ali estava eu, com três gambás na mão e sem saber como cozinhar os bichos... Era o quadro da dor...

Nesta época um tio meu morava com minha avó materna, na casa ao lado da minha. Não havia nem muro entre elas. Minha avó saiu na porta e me viu. Ficou com pena de mim e disse:

- Olha minha filha, pode pegar o latão de lixo da vó para cozinhar os gambás.

- Mas vó, como vou colocar esta baita lata encima do fogão?

Minha mãe escutou e lá de dentro da casa gritou:

- No meu fogão NÃO!

Ai que tristeza. Meu próprio sangue contra mim...

Foi aí que o meu tio entrou em cena:

- Não te preocupa filhinha, o tio faz um fogo prá ti.

E ele fez mesmo, uma fogueira bem grande. Levantou ao redor dela uns tijolos e sobre eles colocou uma grelha velha. Encheu o latão de água e colocou o primeiro gambá.

O filho do vizinho que morava na casa aos fundos da nossa se debruçou no muro com uma cara de curioso e perguntou:

- O que vocês estão fazendo?

- Fazendo um trabalho para a faculdade.

- Que trabalho?

- Ah, tenho que montar o esqueleto de um bicho. Estou tentando o de um gambá.

O menino ficou muito impressionado. Ficou no muro o tempo todo, olhando a nossa empreitada.

E lá se foi o dia todo... Já estava escurecendo quando meu tio acabou de cozinhar o último gambá.

Peguei os bichinhos (que por sinal tem cheiro de galinha quando cozidos) e os guardei com cuidado. Eram o meu tesouro!

Descansei um pouco e fui tentar extrair o primeiro esqueleto. Pelo menos o bichinho cheirava bem. Começei toda empolgada, os ossos todos inteirinhos. Até que, em determinado ponto, havia um deles esfacelado pela batida do carro. Ah, que decepção. Olhei, olhei e olhei: não tinha jeito, não havia como aproveitar aquele osso.

Fui ao segundo gambá então. Já comecei meio receosa, pois este estava mais machucado que o primeiro. Fui, fui, fui e lá pelas tantas outro osso esfacelado...

Peguei então meu terceiro e último tesouro. Não deu outra: osso esfacelado também. Aí tive uma ideia brilhante! Vamos fazer de três gambás, um. Perfeito! A, eu me senti como um gênio. Só depois de muito tentar juntar os três gambás em um único esqueleto é que descobri que a ideia não havia sido assim, tão genial... Eu não tinha noção de como montar o esqueleto. Eu não conseguia identificar os ossos esfacelados.

Cabisbaixa e triste guardei os bichinhos. No outro dia fiz um buraco no quintal da casa e enterrei os três.

Meu problema havia começado novamente do zero: cadê o bicho?


Andréa