sexta-feira, 3 de maio de 2013

Sem fome de pão

Foi num dia qualquer, de um verão tropical, na cidade de Angra. Lugar paradisíaco, que muitos estamos acostumados a ver estampado em revistas e na televisão.

O garoto aproximou-se da casa bonita, colocou a carinha entre as grades do portão alto e forte, e ficou olhando.

A dona da casa, senhora distinta, regava o jardim. Fazia a tarefa devagar, como quem distribui com as gotas d’água um tanto de carinho.

O menino dos seus nove anos, segurando com ambas as mãos as grades, de um lado e outro do rosto magro, pediu:

- Ei, dona, tem pão velho?

Ela se voltou surpresa. Fechou o esguicho d’água. Desde a sua infância, aquele tipo de situação a incomodava. Da adolescência trazia uma mensagem dentro de si de que, quando alguém pedia pão velho, na verdade estava dizendo: Me dá o pão que era meu e ficou na sua casa e você esqueceu de comer, porque tem muitas outras coisas deliciosas para saborear.

Ela caminhou até o portão e perguntou:

- Onde você mora?

Ele falou o bairro, bem distante.

- Mas é muito longe, disse a senhora.

- Pois é. Eu sei que é longe, mas eu tenho que pedir as coisas para comer.

- Você está na escola?

- Não, disse ele. Minha mãe não pode comprar material.

Agora, ela já estava tão próxima dele que quase o podia tocar. Ele tinha um rostinho tão delicado. Pena que estivesse um tanto sujo.

Pensou nos próprios filhos, tão bem cuidados, penteados, roupa limpa, calçados brilhantes e lancheira cheia para levar à escola.

O rostinho miúdo parecia só ter olhos. Espertos. Inteligentes e sofridos.

- Seu pai mora com vocês? Arriscou a dama.

- Ele sumiu, respondeu a vozinha triste.

O papo prosseguiu. Ela até se esqueceu do jardim e das flores. Ali estava uma flor muito mais importante e mais necessitada de água, adubo, terra fofinha.

Finalmente, ela se recordou da fome do menino e fazendo um gesto de quem se dirigia para dentro a fim de buscar alguma coisa, exclamou:

- Espere um pouco. Vou buscar o pão. Não tenho pão velho. Serve novo?

- Não precisa não, senhora. A senhora já conversou comigo. Tchau.

E desapareceu ladeira abaixo.

A resposta caiu como um raio no coração da mulher. Teve a sensação de ter absorvido toda a solidão e a falta de amor daquela criança.

Um menino de nove anos, já sem sonhos, sem brinquedos, sem comida, sem escola e tão necessitado de um papo, de uma conversa amiga.

Naquele dia, a senhora aprendeu um novo significado para o pedido de pão velho. Significa dizer: Converse comigo, dê-me a alegria de ser amado.

Por isso, ela continua dando pão novo, fresquinho, com doce, manteiga, queijo e salaminho. Mas, antes de tudo, ela compartilha o pão das pequenas conversas, um pão que nunca fica velho, porque é fabricado no coração de quem acredita nAquele que disse um dia: Eu sou o pão da vida!

*   *   *
O pão mata a fome do corpo. A palavra nutre o coração entristecido.


De Momento Espírita